O Supremo Tribunal Federal reafirmou, nesta quarta-feira (23/5), que é constitucional a contribuição do empregador rural pessoa física ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), sem que seja cabível a modulação para o caso.
Por sete votos a três, o Plenário rejeitou oito embargos de declaração apresentados por proprietários e associações do setor que pretendiam reverter a decisão que definiu constitucional a cobrança — espécie de previdência específica para o trabalhador rural. No entendimento dos ministros, a medida é desnecessária porque não há mudança de jurisprudência da corte em relação ao tema.
O setor produtivo rural tinha expectativas em relação à possibilidade de modulação temporal da decisão, depois da decisão de 30 de março de 2017, quanto a Corte declarou constitucional a contribuição, espécie de previdência específica para o trabalhador rural, para então definir a partir de quando ela deveria ser cobrada.
Na abertura da sessão, a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, destacou a relevância do tema, pois 20 mil casos estão sobrestados pelo país à espera do julgamento.
Para o relator, ministro Alexandre de Moraes, os pedidos constantes nos embargos de declaração eram uma tentativa de anistia aos devedores da contribuição. “Declaramos constitucional uma lei cumprida desde 2001. Como ficariam aqueles milhares que pagaram e vêm pagando há 17 anos? Teriam de ter o seu dinheiro de volta? Eventual modulação favoreceria aqueles que não contribuíram.”
Segundo Moraes, “isso feriria de forma absurda a boa fé e a segurança jurídica daqueles que há 17 anos vem cumprindo a lei em detrimento dos poucos que procuraram liminares”. Ele foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.
Moraes entendeu que a intenção era um novo julgamento do mérito do recurso extraordinário. “Se pretende a discussão novamente de todas as teses que foram longamente discutidas aqui no Plenário. De cara, afasto obscuridades ou omissões.” Ele enfatizou, ainda, que não houve alteração de jurisprudência, mas alteração da legislação para adequação à decisão do Supremo.
Consequencialismo
Ao acompanhar a posição, Barroso ressaltou também que o Supremo não havia se manifestado ainda sobre a Lei 10.256, de 2001. “Argumento explorado pelos advogados da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) era o da confiança legítima. Mas, se a lei é constitucional e nunca houve pronunciamento do Supremo ninguém pode afirmar ter confiança de que é inconstitucional. Tampouco o STJ tem decisões neste sentido”, disse. Além disso, ele afirmou que outro indicativo é que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional continuou a efetuar as cobranças.
Por fim, ele também enfrentou o argumento de que a não modulação traria insuportável impacto econômico para o setor. “O argumento consequencialista não prevale. Por via legislativa e com mais generosidade que o comum, criou-se o programa que concedeu descontos de 100% das multas, juros, honorários para os contribuintes que aderirem. Por consequencialista, sempre pode-se trazer que há imenso déficit previdenciário, parte dele pelas aposentadorias rurais”, concluiu, dizendo também não considerar legítimo transferir para a Previdência a imprevidência dos próprios produtores.
Luiz Fux acrescentou ser importante pensar a modulação com base em premissas estabelecidas anteriormente. “Alteração da jurisprudência que permite modulação é a alteração da última palavra”, disse. Da mesma forma entendeu Ricardo Lewandowski. “Não pode ter havido dúvidas. Não diria da população, mas dos produtores rurais. O STF considerou aquela lei formal e materialmente constitucional.”
Lewandowski afirmou ainda que, como os Tribunais Regionais Federais das 2ª, 3ª e 5ª Regiões sempre julgaram constitucional, com alguma divergência dos outros dois TRFs, modular seria ferir o princípio da isonomia em relação aos produtores que vivem e produzem naquelas primeiras regiões.
Segurança jurídica
O ministro Luiz Edson Fachin abriu a divergência. “Ao meu ver, este tribunal alterou sem dúvida alguma o caminho que vinha trilhando sobre esta matéria. E de modo algum estou a colocar o debate de mérito novamente, ainda que tenha sido vencido e não convencido”, disse o ministro.
Para ele, o Pleno julgou o primeiro recurso extraordinário, em 2010, e assentou a inconstitucionalidade. Mais tarde, no recurso extraordinário apreciado em 2017 considerou o tema constitucional, fazendo um “fatiamento” da decisão.
“A mudança do entendimento adotado pela corte no sentido da inconstitucionalidade na cobrança da contribuição social afeta a segurança jurídica dos contribuintes”, apontou.
Fachin disse ainda que milhões de contribuintes acreditaram na constitucionalidade da norma. Portanto, estaria sendo questionado o princípio da segurança jurídica e quebrada a confiança nas decisões pelo contribuinte. Ele foi acompanhado por Rosa Weber e Marco Aurélio, mas o entendimento ficou vencido.
Retomada do debate
Em março do ano passado, o Plenário decidiu, por maioria de votos, que a contribuição de empregador rural pessoa física ao Funrural é constitucional. O recurso foi ajuizado pela União contra decisão do TRF-4 que afastara a incidência da contribuição.
Os ministros aprovaram a seguinte tese, para efeito de repercussão geral: “é constitucional, formal e materialmente, a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção”.
Mas a decisão foi embargada por proprietários rurais e entidades representativas, sob o argumento de que há contradição de entendimento entre aquele julgamento e o decidido também pelo Plenário em 2010, quando o STF desobrigou o empregador rural de recolher ao Funrural sobre a receita bruta de sua comercialização, no caso do recurso apresentado pelo Frigorífico Mataboi.